top of page

Do boom à seca de IPOs no Brasil

Atualizado: 31 de mar.

Por que as Ofertas Públicas Iniciais desapareceram e quando podem voltar?


Gustavo Rabinovitz, Sênior do Grupo




O mundo dos negócios, em especial o mercado financeiro, é cheio de siglas que, para aqueles que não possuem intimidade com o tema, parecem códigos indecifráveis. Uma delas é IPO, que há alguns anos era um dos termos mais repetidos e escutados no mercado. Nos últimos tempos, entretanto, temos ouvido cada vez menos sobre isso, à medida que o cenário econômico e as condições do mercado foram se transformando. Mas o que exatamente significa essa sigla, e por que não a escutamos mais com tanta frequência?


IPO quer dizer “Initial Public Offering”, ou Oferta Pública Inicial, em português, e nada mais é do que o nome dado à primeira vez que uma empresa negocia suas ações na bolsa. Ou seja, quando uma companhia abre seu capital, passando de privada a “pública”. Isso faz do IPO um grande momento para a empresa e, por isso, demanda um longo processo e muito planejamento, uma vez que existem muitos requisitos que as organizações devem cumprir para poderem entrar na Bolsa. Alguns deles, no Brasil, incluem ser uma S.A., ter balanços auditados, adotar boas práticas de governança e registrar a oferta junto à CVM. Por meio de IPOs, empresas conseguem arrecadar grande quantidade de capital a fim de financiar projetos próprios e se tornar menos dependentes de dívidas.


O Boom de IPOs


Entre 2020 e 2021, 73 IPOs foram registrados no Brasil. Esse número é muito superior à quantidade registrada no ano anterior, quando 5 empresas abriram seus capitais na B3. Isso tudo sem contar as empresas que se aventuraram no exterior, como o Nubank, que listou suas ações na Nasdaq (Nova Iorque). O otimismo exacerbado, que havia sido visto pela última vez no Brasil em 2007 — com 64 IPOs no ano — foi causado, entre outros fatores, pelo patamar mínimo histórico de 2% da Selic, que impulsionou maior volume investido em renda variável.


No entanto, a tendência não se limitou às fronteiras do nosso tão querido país. Longe disso. O boom foi global, e o valor total arrecadado em 2021 de R$ 65,6 bilhões em listagens na bolsa brasileira contribuiu com apenas 2,04% do valor total mundial. O maior contribuidor, é claro, foram os Estados Unidos, com impressionantes 1.035 operações, responsáveis por 23,42% do volume capitalizado.


É claro que a pandemia exerceu um forte papel nessa história. Além dos juros atingindo mínimas históricas globalmente, os trilhões de dólares despejados nas economias ao redor do mundo para conter os efeitos da crise elevaram a liquidez do mercado. Isso, em conjunto com o otimismo pós-pandemia, favoreceu os IPOs do período e, em uma relação mútua de causa e consequência, aumentou significativamente o número de novos investidores.


Investidores de renda variável no Brasil em milhões e variação anual (Fonte: B3)



A tempestade depois do arco-íris


Mas, em que pé estão as ações surgidas durante a explosão de listagens? Você, leitor atento, já viu na newsletter da semana passada que os últimos tempos não têm sido generosos com a bolsa brasileira. E isso é verdade, principalmente para as empresas entrantes durante 2020 e 2021. Até o meio do ano passado, 78% dessas empresas apresentavam resultados negativos.


Isso nos leva de volta à pergunta inicial: por que não ouvimos quase nada sobre IPOs recentemente? A resposta é simples: porque simplesmente não há. Isso mesmo. Desde 2021, não tivemos uma única empresa negociando suas ações pela primeira vez na B3. Pelo contrário. Se no início de 2022 havia 385 empresas listadas, hoje há apenas 335.


Os motivos, além da alta de juros e da desconfiança dos investidores, passam também pelo chamado “risco Brasil”. A instabilidade política e fiscal, o aumento do déficit público e a fuga de capital estrangeiro, como visto na semana passada, afastam novas listagens. Muitas empresas simplesmente não veem vantagem em abrir capital em um mercado volátil e imprevisível, no qual o câmbio oscila e o apetite por risco pode desaparecer de uma hora para outra. Em vez disso, preferem captar recursos através de fundos privados, onde há menos burocracia e menos exposição ao sobe e desce da bolsa. Lá fora, houve a mesma tendência. O trauma dos IPOs inflados de 2020 e 2021, que derreteram logo após a listagem, também esfriou o entusiasmo. No fim das contas, o que antes era um grande evento corporativo agora é visto com muito mais cautela, tanto por investidores quanto pelas próprias empresas.


Quantidade de IPOs no Brasil e taxa Selic ao final do ano (Fonte: IBGE, Quantum Finance)




Capitalização através de IPOs em bilhões de dólares (Fonte: Dealogic)



Exemplo disso, que se tornou um grande símbolo da seca de IPOs, foi o caso da Moove, produtora de lubrificantes e uma das subsidiárias da Cosan, que suspendeu seu IPO nos Estados Unidos no dia 9 de outubro de 2023, na véspera da transação. A empresa havia protocolado o pedido na Bolsa de Nova York (NYSE), planejando captar US$ 437,5 milhões. No entanto, o “risco Brasil” afastou investidores, levando fundos long-only — que investem apenas na compra de ativos — a reduzirem suas ordens de US$ 30 milhões para apenas US$ 2 milhões. Com a demanda fraca, a operação foi cancelada, frustrando a expectativa de ser o primeiro IPO brasileiro nos EUA em três anos.


E agora?


O balde de água fria que foi a desistência da Cosan levou a ainda mais desconfiança diante do cenário econômico-financeiro brasileiro. E agora só nos resta uma pergunta: como será daqui para frente? Infelizmente, não há surpresas. Ao que tudo indica, 2025 será mais um ano sem IPOs por aqui, mais um para contabilizar à seca histórica que vivemos desde o final de 2021, com a abertura da Wilson Sons (PORT3). E os motivos são os mesmos: juros altos e incertezas fiscais que causam desconfiança de investidores.


Para os Estados Unidos, o cenário é outro. 2024 já foi um ano de recuperação na quantidade de IPOs, com um aumento de 46%. Este ano, pelo menos 64 empresas já realizaram suas aberturas. Até março do ano passado, havia apenas 43.


A recuperação dos IPOs nos EUA mostra que o apetite por risco nunca desaparece, apenas recua para depois voltar com força. O Brasil pode estar um passo atrás, mas a história mostra que, mais cedo ou mais tarde, as ondas de otimismo também chegam por aqui. Nesse intervalo, empresas e investidores precisam se preparar. Quem souber usar esse período para se posicionar bem estará pronto para capturar o próximo grande movimento. No fim, os mercados recompensam aqueles que têm visão de longo prazo e sabem que as maiores oportunidades surgem quando poucos estão olhando.

bottom of page