Governança Familiar: Dois Lados de uma Mesma Moeda
- Grupo de Negócios da Escola Politécnica da USP
- 7 de out. de 2024
- 3 min de leitura
Enquanto a WEG demonstra que a continuidade familiar pode ser um trunfo estratégico, a Iguatemi enfrenta desconfianças nesse aspecto. Será que o controle familiar é um bom negócio para acionistas?
Lucas Scaramelli e Ana Rotenberg ( Sêniores do Grupo )

Ao analisar uma ação na bolsa, muitos focam apenas em indicadores financeiros, cenário macroeconômico e a posição da empresa no setor. No entanto, investidores experientes sabem que a governança e o processo de tomada de decisão são igualmente cruciais. Empresas listadas na bolsa seguem padrões de governança, mas a realidade pode ser mais complexa, especialmente no caso de empresas familiares.
Mesmo após abrirem capital, algumas das maiores empresas da bolsa brasileira, como WEG (WEGE3) e Iguatemi (IGTI11), ainda têm forte presença familiar. Esses casos mostram duas formas distintas de participação familiar nas decisões empresariais, resultando em impactos diferentes sobre a governança corporativa.
A WEG, fundada em 1961, mantém 64,6% de seu controle acionário com as famílias fundadoras, o que pode inicialmente gerar desconfiança entre investidores minoritários. No entanto, a empresa se destaca por sua gestão de longo prazo e pela continuidade de seus líderes, que possuem carreiras extensas dentro da própria organização. Isso reflete uma cultura sólida voltada para a formação e retenção de executivos de alto nível, o que garante consistência na liderança.
Composição Acionária WEG S.A.:

Diferente de concorrentes como Siemens e ABB, que trocam de CEO a cada 4 ou 5 anos, a WEG aposta em lideranças de longa duração. O atual CEO, Alberto Kuba, já estava há mais de 22 anos na empresa antes de assumir o cargo recentemente, sucedendo a Harry Schmelzer, que liderou por 16 anos. Essa abordagem promove uma visão estratégica de longo prazo e estabilidade, o que tem sido um diferencial importante para o crescimento sustentável da companhia.
Como resultado dessa gestão sólida e visão de futuro, a WEG mantém um ritmo de crescimento elevado e consistente, refletido diretamente na valorização de suas ações no mercado. Nos últimos seis meses, as ações da WEG registraram uma valorização de 43%, o que reforça a confiança dos investidores na força, resiliência e potencial de crescimento contínuo da companhia.
Em contraste a Iguatemi, que sem dúvidas é destaque no setor de shoppings de luxo brasileiro, desde sempre foi controlada pelo Grupo Jereissati, uma holding familiar. Por um lado, diferente da WEG, a maioria de suas ações são abertas ao mercado (free float), no entanto, o poder de decisão é concentrado na família fundadora, que possui 61,5% de ações ordinárias, que dão direito a votos na assembleia.
Composição Acionária Iguatemi S.A.:

Mesmo apresentando resultados competitivos e resilientes durante crises como a pandemia e o avanço do e-commerce que ameaçaram o varejo físico, a desconfiança na governança familiar tem impactado a performance de suas ações. A ação IGTI 11 está descontada em termos de múltiplo EV/EBITDA, ou seja, o valor total da companhia em relação a sua geração de lucro operacional está abaixo do que estava historicamente (linha tracejada no gráfico), mostrando que os investidores estão menos otimistas com o futuro da empresa.
Múltiplo EV/EBITDA Histórico da Iguatemi S.A.:

Dois fatores contribuem para isso: (i) saturação do mercado de shoppings e (ii) desconfiança no processo de decisão da empresa. Um exemplo foi a compra de 16,6% do Shopping Rio Sul em parceria com o fundo BBIG FII (33,3%), em uma disputa com a Allos, que competia na compra do ativo carioca.
A decisão de investir em um ativo supervalorizado, o Rio Sul, com um cap-rate (proporção entre lucro operacional e valor de venda do ativo) de 7,7% — abaixo dos 8% pagos no passado para aumentar a participação no Iguatemi JK, seu shopping mais lucrativo e que apresentou maior retorno no investimento —, em vez de concentrar esforços em aumentar a participação em ativos já consolidados e rentáveis, como o próprio Iguatemi JK e o Iguatemi São Paulo que ainda oferecem grande potencial de aquisição, resultou em menores retornos para os acionistas minoritários.
Isso evidenciou um problema na governança familiar da empresa: decisões que, embora estratégicas no longo prazo para a família controladora, que pagou um valor superestimado no Rio Sul para ganhar a competição na compra contra a Allos, muitas vezes não estão alinhadas aos interesses dos investidores minoritários.
Como resultado, a Iguatemi teve uma queda de 4,5% no preço de sua ação desde a data de conclusão da aquisição.
Em resumo, enquanto a presença familiar na WEG é vista como uma vantagem estratégica, proporcionando estabilidade e visão de longo prazo, na Iguatemi, essa mesma presença tem gerado desconfiança e resultados abaixo do esperado para os acionistas minoritários.