Malásia: o Novo Player na Geopolítica dos Semicondutores
- Grupo de Negócios da Escola Politécnica da USP
- 29 de abr.
- 4 min de leitura
Com investimentos bilionários, incentivos fiscais, e aposta na formação de engenheiros, o país tem atraído gigantes do setor e promete se tornar peça-chave na reconfiguração global da indústria.
Gustavo Rabinovitz (Sênior no GN Poli)

Enquanto o mundo direciona atenções às manchetes da guerra comercial entre Estados Unidos e China, um movimento silencioso, mas com grande potencial transformador, acontece no continente asiático, e promete redefinir o mapa global da indústria de semicondutores. E não é sobre Taiwan que estamos falando, mas sim sobre a Malásia.
Está cada vez mais clara a relevância que os semicondutores assumem no mundo atual. Considerados o “petróleo do século XXI”, esses pequenos componentes eletrônicos são os cérebros invisíveis por trás do mais simples aparato tecnológico, como uma torradeira, até dos protagonistas da revolução tecnológica contemporânea, como a IA, o 5G, os carros (especialmente os elétricos) e as mais avançadas armas bélicas detidas pelos exércitos. O produto, em suas muitas variações, movimentou US$ 627 bilhões em vendas em 2024 com expectativas de alcançar US$ 1 trilhão em 2030. Hoje, os semicondutores são a espinha dorsal da economia, e sua dependência ao redor do mundo confere a quem os produz relevante poderio geopolítico.
Não é à toa que nos últimos anos as tensões entre China e Taiwan têm chamado tanta atenção: para além do caráter militar, as intenções chinesas de reunificar a ilha ao território nacional assumem forte caráter econômico. Isso porque Taiwan, em particular com a empresa TSMC, é responsável por cerca de 60% da capacidade mundial de fabricação de chips de ponta e quase 90% dos chips de processo mais avançado (inferiores a 7 nanômetros). Isso tem causado fortes preocupações por parte dos principais países, empresas e investidores, que tornaram a diversificação geográfica da produção uma das grandes prioridades do setor.
Hoje, o mercado dos semicondutores é dividido em várias frentes. Apesar do domínio de Taiwan em volume de produção dos chips mais sofisticados e o maior número de plantas de produção no Japão, os Estados Unidos lideram no design de chips, com cerca de 46% do market share global. Após Taiwan, a Coreia do Sul, com a Samsung, responde por 10% da produção mundial de chips de ponta (usados para as tecnologias mais avançadas). China é o maior mercado consumidor, absorvendo mais de 30% dos chips produzidos no mundo, enquanto Japão e Europa mantêm fatias importantes na produção de chips voltados ao mercado automotivo. Fato é que, nessa distribuição, um país depende do outro, seja em design, seja em tecnologias, seja em expertise. Mas, no fim das contas, quem domina o jogo é Taiwan.
Quantidade de plantas de fabricação de semicondutores em 2024 (Fonte: World Population Review)

É nesse cenário que entra a Malásia, país com cerca de 35 milhões de habitantes localizado no coração do sudeste asiático, e cortado por importantes rotas marítimas globais. Já tradicionalmente forte na etapa de teste, montagem e embalagem, responsável por aproximadamente 13% do volume global, o país agora aposta em uma expansão para subir na cadeia de valor.
Com tal objetivo, o governo malaio estruturou a Estratégia Nacional de Semicondutores, mobilizando cerca de RM500 bilhões (US$ 107 bilhões) em investimentos projetados até 2030. A meta é dobrar a participação do país na cadeia global de semicondutores, aumentando sua presença nos segmentos de design, fabricação de wafers e pesquisa em novos materiais. Até 2030, o plano também prevê a formação de 60 mil novos engenheiros, o que é necessário, considerando que hoje o país forma cerca de 6 mil profissionais especializados por ano.
Desde 2016, já é notável o avanço das exportações de produtos eletrônicos da Malásia, tanto em volume, quanto em participação global. Isso acompanha os aportes nessas indústrias, que foram de mais de 80% dos investimentos externos no país desde 2021.
Exportação malaia de produtos eletrônicos (Fonte: Harvard Growth Lab)

Gigantes da tecnologia fazem parte dessas apostas. A Intel anunciou investimentos de US$ 7 bilhões para ampliar sua capacidade de embalagem e montagem nas regiões de Penang e Kulim. A Infineon Technologies está aplicando US$ 5 bilhões na construção da maior fábrica de wafers de 200mm (estruturas de silício utilizadas em computadores) do mundo na Malásia. Outras empresas, como a Nvidia, gigantesca que foi tema da newsletter da semana passada, também têm explorado o país em sua diversificação. A neutralidade da Malásia em relação às tensões entre China e Estados Unidos favorecem a busca das mais variadas empresas.
O governo da Malásia também implementou incentivos fiscais, como o Pioneer Status (isenção de imposto de até 10 anos) para atrair players de alto valor. O plano New Industrial Master Plan 2030 (NIMP 2030) inclui metas para aumentar a participação da Malásia em atividades de front-end, como design de chips, que hoje representa menos de 10% da atividade local. Nesse sentido, em março de 2025, o governo malaio firmou um acordo com a empresa britânica Arm Holdings, num valor de US$ 250 milhões. O pacote inclui acesso à propriedade intelectual da Arm, além de abrir o primeiro escritório da empresa no sudeste Asiático, em Kuala Lumpur. Isso simboliza um dos passos dados pelo país em sua missão de avançar na cadeia produtiva e marca a liderança da Malásia em relação aos países vizinhos.
Nas palavras de Anwar Ibrahim, o primeiro-ministro da Malásia: “(o acordo) marca uma mudança fundamental em nossa abordagem aos semicondutores e à tecnologia, que definirão nosso futuro. Um dos planos tecnológicos mais ambiciosos que a Malásia já viu”.
Nem mesmo o Brasil escapou do avanço malaio: em abril, durante uma missão internacional da InvestRS, o Rio Grande do Sul iniciou conversas com a fabricante malaia de semicondutores Silterra, que demonstrou interesse em construir uma planta de semicondutores no estado.
Enquanto Taiwan, Estados Unidos, China, e mesmo a Coreia do Sul seguem no centro das atenções, a Malásia ganha terreno com uma estratégia sólida, grandes investimentos, e o mais importante: o apoio dos grandes players do setor mais importante da tecnologia, da economia e da geopolítica atual. O avanço ainda é inicial. Mas a cada passo, o país aproxima-se mais de seus objetivos de escalar a cadeia produtiva e ganha mais relevância. E como no mundo dos negócios devemos estar sempre atentos às oportunidades futuras, a Malásia cada vez mais se apresenta como um país que não pode, de maneira alguma, ser ignorado.




