SAFs: Conectando o Futebol Brasileiro ao Ecossistema Europeu
- Grupo de Negócios da Escola Politécnica da USP
- 13 de ago.
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de ago.
OutField na estratégia das SAFs: gestão no Coritiba e vitrine europeia no Le Mans
Por Rhuan Caldeira (Júnior do Grupo)

A Sociedade Anônima do Futebol (SAF) é um modelo societário previsto em lei que permite aos clubes brasileiros adotarem uma estrutura empresarial, com regras de governança, prestação de contas e captação de investimentos. Em termos práticos, esse arranjo separa o departamento de futebol do clube social, reduz interferências de curto prazo e cria condições para planejamento plurianual, com metas claras e maior profissionalização.
O eixo financeiro e de governança torna-se mais previsível quando o clube-empresa consegue atrair capital estável. Nesse contexto, vale explicar, de forma direta, o que é Equity: trata-se do investimento realizado por sócios ou acionistas que adquirem uma participação na empresa. Diferentemente de um empréstimo, o Equity não gera parcelas fixas a pagar; o investidor assume risco junto com o clube-empresa e participa dos resultados. Em futebol, esse tipo de capital costuma viabilizar projetos de médio e longo prazo, como melhoria de infraestrutura, formação de atletas, modernização de processos e adoção de métricas de desempenho.
É nesse ambiente que se insere a OutField. Fundada em 2020 e, desde 2024, com a Spectra como sócia, a gestora participa de operações com clubes brasileiros, a exemplo do Coritiba, e desenvolve soluções financeiras voltadas a transformar receitas futuras mais previsíveis em recursos presentes, com supervisão e controles. Além disso, investe em negócios do ecossistema esportivo e de entretenimento, conectando operação, audiência e geração de valor.
A presença da OutField no universo das SAFs ganhou densidade a partir da parceria com a Treecorp, acionista controladora do Coritiba. Em abril de 2025, Lucas de Paula, sócio da OutField, assumiu a função de diretor-presidente do clube. A Treecorp permaneceu no comando societário, enquanto a OutField passou a liderar a execução do plano. Na prática, isso significa instituir rotinas de governança mais rigorosas, aperfeiçoar o orçamento e o acompanhamento de indicadores, reorganizar frentes comerciais e adotar uma cultura de prestação de contas que permita corrigir rumos com agilidade.
No campo financeiro, a orientação é preservar previsibilidade e equilíbrio de caixa. O clube recorre a operações usuais no setor para antecipar recebimentos e suavizar oscilações de fluxo, com transparência contratual e limites de endividamento bem definidos. No plano esportivo, as prioridades incluem a reorganização da estrutura técnica, a otimização da folha salarial, a ampliação de minutos para atletas jovens e um objetivo inequívoco para a torcida e para os investidores: retornar à Série A de forma sustentável, evitando soluções oportunistas que comprometam a temporada seguinte.
No exterior, o Le Mans, na França, ocupa lugar estratégico nessa construção. O clube ascendeu à Ligue 2 (2° divisão francesa) em 2025 e apresenta atributos comerciais relevantes, inclusive uma forte conexão local com o automobilismo, que amplia oportunidades de marca e hospitalidade. Em agosto de 2025, foi anunciada a entrada da OutField no capital do clube, ao lado de nomes reconhecidos do esporte e do empreendedorismo. Para a gestora, trata-se de estabelecer presença na Europa de maneira coerente com a atuação no Brasil por meio do Coritiba, abrindo um caminho de valorização esportiva e comercial em duas frentes complementares.
A estratégia se estrutura em etapas claras. Primeiro, formar e dar minutos no Brasil, em ambiente que favoreça o desenvolvimento técnico e tático. Em seguida, promover a transição para a Europa de forma controlada e planejada, em campeonato competitivo e com regras claras. Consolidado o desempenho, buscar a venda no próprio mercado europeu, onde a precificação ocorre em euro e a comparação entre jogadores segue métricas amplamente aceitas. Em outras palavras, o Le Mans tende a funcionar como o elo europeu desse roteiro, enquanto o Coritiba concentra a etapa de formação e exposição inicial. Para o investidor, a proposta é capturar a valorização no ambiente europeu, que, em geral, dispõe de maior liquidez e referências de preço mais estáveis.
Esse movimento não é inédito no futebol internacional. Grandes grupos já operam redes de clubes com lógica semelhante. Em termos conceituais, o mecanismo funciona quando há coordenação entre gestão, metodologia de trabalho e calendário esportivo, reduzindo fricções de intermediação e alinhando os incentivos entre as dimensões esportiva e financeira. O objetivo é controlar melhor cada etapa do ciclo: formar, oferecer minutos, expor, negociar e reinvestir.
O encadeamento é claro. A SAF organiza a estrutura e eleva o padrão de governança. O capital de longo prazo, na forma de Equity, viabiliza projetos e reduz a dependência de soluções emergenciais. A OutField ocupa a camada operacional no Brasil e cria, com o Le Mans, o canal europeu para realização de valor. Quando essas peças atuam de maneira coordenada, o clube ganha condições para planejar, investir e vender melhor, com menor volatilidade e maior capacidade de medir resultados ao longo do tempo.
A síntese desse racional foi expressa por Guilherme Nosralla, sócio da OutField, em palestra do Grupo de Negócios da Poli (05/08/2025): formar no Brasil, levar para a França e vender na Europa. Em linhas gerais, a valorização doméstica tende a ser menor. No contexto europeu, o preço reflete com mais precisão o potencial demonstrado em campo e a comparação objetiva com os pares de posição e idade.


