A nova cara do crédito no Brasil
- Grupo de Negócios da Escola Politécnica da USP
- 1 de abr.
- 5 min de leitura
O que é o novo Crédito Consignado CLT e como ele vai transformar o cenário de crédito no Brasil
Por Gustavo Rabinovitz (Sênior do Grupo)

No dia 19 de março, o Banco Central elevou a taxa Selic em 1 ponto percentual. Agora, a 14,25%, a taxa básica de juros atingiu o maior patamar desde 2016. A 5° alta consecutiva do Copom levou o Brasil a ocupar a 4° posição no ranking de maiores juros reais do mundo, ou seja, juros descontados da inflação. O cenário segue desafiador, com projeções de inflação para o final de 2025 2p.p. acima da meta de 3% para 2025, o que pode pressionar ainda mais os juros. Com isso, o custo do dinheiro segue elevado, tornando o crédito cada vez mais caro para consumidores e empresas.
Ranking de juros reais (Fonte: MoneYou)

Financiamento a juros baratos para trabalhadores?
Dois dias após a decisão do Copom, o Governo Federal anunciou o chamado “Crédito do Trabalhador”. Trata-se de uma nova linha de empréstimo consignado para pessoas que se enquadram nas categorias de CLT, MEI, empregados domésticos e trabalhadores rurais. Isso totaliza cerca de 47 milhões de elegíveis aos empréstimos. Muita gente. Mas qualquer medida no Brasil divide opiniões, e dessa vez não foi diferente. Para destrinchar as principais impressões acerca da nova modalidade de crédito, é preciso, inicialmente, entender o que ela é e como ela funciona.
Antes de mais nada, crédito consignado é uma categoria de empréstimo cujas parcelas são descontadas automaticamente da folha de pagamento do contratante. Anteriormente, outras linhas de consignados já existiam, como para beneficiários do INSS. O importante é que em empréstimos consignados, os bancos são capazes de cobrar juros mais baixos, justamente porque o pagamento é descontado direto na folha, o que reduz o risco de inadimplência, além da economia que é feita com cobranças, ligações e avisos, que nas modalidades em que a cobrança não é automática, entram como custos.
O que o Governo Federal fez foi lançar um sistema digital unificado, via Carteira de Trabalho Digital (CTPS), que permite a contratação de empréstimos consignados privados por aqueles que atendem às regras. Antes, essa modalidade na forma privada tinha penetração muito baixa, pois dependia de convênios individuais entre empresas e bancos para viabilizar o desconto no salário, um modelo arriscado e burocrático. Com a nova plataforma, o governo centraliza essa intermediação, e elimina a necessidade de acordos diretos com empregadores e torna o produto mais acessível e com potencial de expansão.
Nesse caso, a garantia vai além do salário do empregado. Em empréstimos consignados prévios, o maior fator de risco ao banco era justamente a demissão do contratante. Agora, até 10% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ou 100% da multa rescisória serão utilizados como garantia. Vale destacar que o trabalhador tem a opção de não utilizar nenhum desses valores como garantia – o que encarece os juros cobrados, é claro.
Assim, por meio de uma análise de risco baseada na duração do vínculo empregatício, na renda mensal, no prazo da operação, no valor solicitado e outros empréstimos em andamento, somada à garantia escolhida, os bancos concedem ou não o crédito e fornecem a taxa de juros ao mês a ser cobrada. Além disso, os bancos não podem conceder empréstimos que impliquem prestações mensais superiores a 35% do salário. O JP Morgan realizou testes através do CTPS com diferentes perfis de usuários para verificar quais bancos concediam ou não o crédito e a quais taxas nos primeiros dias de operação.
Teste de elegibilidade ao Crédito Consignado CLT (Fonte: JP Morgan)

Apesar das limitações do teste, os bancos mais ativos foram o Agibank e o Parati CFI. Também destaca a presença da Caixa como único banco de maior porte. No entanto, o projeto ainda se encontra na sua primeira fase de implementação. A partir do dia 25 de abril, os empréstimos serão negociados pelos próprios aplicativos dos bancos e outros players aderirão ao projeto. As taxas se mantiveram entre 2,99% e, nos casos de maior risco, como pouco tempo de empregabilidade e outros empréstimos vigentes, 4,99% ao mês - cerca de 42,6% e 79,5% ao ano respectivamente. Em outras modalidades de risco mais alto, as taxas podem chegar a mais de 9% ao mês, o que corresponde a mais de 180% ao ano.
Segundo uma reportagem do Uol, houve uma movimentação do Nubank, em conjunto com o Itaú visando criar travas ao mecanismo de portabilidade de crédito (que permite trocar uma dívida mais cara por uma mais barata). Para tal mecanismo, o novo sistema exige que todos os bancos divulguem dados sobre quem tem dívida em suas instituições ao Dataprev. Atualmente, os dados sobre as bases de clientes específicas de cada banco não são disponíveis. Essa resistência teria o objetivo de impedir que outros bancos pudessem fornecer ofertas de crédito mais baratas a clientes próprios. Tanto o Nubank, quanto o Itaú negaram as acusações, afirmando ser contrários a qualquer barreira à portabilidade e favoráveis à livre concorrência. Ainda assim, o episódio expõe tensões e interesses envolvidos em mudanças que afetam diretamente o modelo atual de concessão de crédito.
As críticas ao novo crédito consignado
Fica claro que a medida é benéfica, principalmente aos trabalhadores, que podem agora tomar crédito mais barato e mais facilmente, mas também aos bancos, que ganharão em volume de empréstimos concedidos com juros, mesmo que mais baixos, com mais segurança. No entanto, não deixa de levantar algumas preocupações.
Uma delas gira em torno do já elevado nível de endividamento das famílias brasileiras. O endividamento das famílias com o Sistema Financeiro Nacional em relação à renda acumulada dos últimos doze meses, que mostra quanto as dívidas representam da renda anual das famílias chegou, em janeiro, a 48,3%, próximo da máxima histórica de 2022. A introdução de uma nova linha de crédito acessível pode estimular o consumo imediato e o uso irresponsável do crédito. Se, por um lado, a modalidade consignada traz taxas mais baixas e maior segurança para os bancos, por outro, há o risco de agravamento do comprometimento de renda no longo prazo.
Endividamento das Famílias com o SFN em relação à renda acumulada nos últimos 12 meses, em janeiro de cada ano (Fonte: BC)

Outro fator de preocupação é justamente o estímulo ao consumo como consequência. Somente na primeira semana de sua aplicação, o novo crédito consignado já teve R$ 1,28 bilhão em empréstimos concedidos em mais de 190 mil contratos. E o número de solicitações nesses primeiros dias surpreende ainda mais: quase 12 milhões. E como já bem sabemos, o aumento do consumo leva à expansão da economia. E o resultado disso é uma velha conhecida nossa: a inflação. Isso tem levado críticos do projeto a taxarem-no de uma medida populista para resgatar a minguante popularidade do Governo.
Populista ou não, o novo modelo transformou o acesso ao crédito no Brasil e tem potencial para ampliar significativamente a inclusão financeira. Em um país que grande parte da população depende de crédito para subsistência, tomar dívidas mais baratas e mais facilmente é um grande avanço. No entanto, facilidade não pode ser sinônimo de imprudência. É fundamental que o avanço venha acompanhado de orientação. O crédito consignado pode ser um aliado poderoso na vida do trabalhador, desde que usado com planejamento. No fim das contas, mais importante do que ter acesso ao crédito, é saber usá-lo com inteligência.